sábado, 9 de agosto de 2008

Cai chuva no poço da memória, deixando o silencio escorrer a toda a tristeza numa gota de mel.
Caem pétalas nos remoinhos de amílscar, nos rios e na metamorfose de uma casa.
Casa onde ser criança era apenas um fim de tarde.
No telhado dessa casa viva uma mulher que dançava de dia e de noite, e que só o respirar em movimento cobria de serenidade a essência do sangue.
Debaixo do chão, um felino branco delirava em segredo e com ele permanecemos doentes e descalços no chão de pedra lisa da cave e no gotejar de adrenalina que devagar, criara mais um poço de memória.

domingo, 20 de julho de 2008

os céus cobrem-se de vermelho

em vez de gotas de veludo transparente, caiem pedras lisas

são apenas pedras doentes num mundo sem oceanos.


dei por mim sentado na janela, nos cabelos de Alice e

refugio-me tantas vezes no seu olho cerúleo e

combato tempestades e rochedos no seu olho amêndoa.

visto-me com sal em tempos de ferida, secam os rios lacrimais.

não chores Alice, não chores.

por favor não chores.

deixa as lágrimas de laranja caírem no corpo lilás,


inunda o coração de agua fria , chora .




quinta-feira, 26 de junho de 2008

" Quero sangue de corpos rasgados, beber até ás ultimas gotas. Desmembrá-los e deitá-los aos caixotes de lixo mais podres e nojentos da cidade. Cobri-los de merda e cuspir-lhes em cima, como se nem de humanos se tratassem."

Tenho sonhos como este desde criança, tinha-os enquanto esquartejava gatos e coelhos com a colecção de punhais do meu pai.
Sempre gostei de sujar as mãos com o líquido que jorra dos corpos depois de os ter aberto totalmente.
Sentir o odor das suas entranhas, procurar vestígios de cocaína nos pulmões.
Canso-me de ver tanta gente, tanta gente, tanta gente viva!

Quero morrer e fazer parte desses corpos moribundos e selvagens.
As feridas da infância doem, doem aquelas pontas de cigarro imparáveis.
Morram! Desapareçam! Morram! Morram!

Enterrem-se em cemitérios brancos e tão sujos de terra, pó de toda aquela Morte.

Lembro-me de um sonho em que morri.
Morri pela primeira vez quando meti toda a colecção de 56 punhais do meu pai no sitio a que elas mais pertenciam.
No meu pai!

Vi-o revirar os olhos até perderem toda a íris colorida, até esvaziar o humor vítreo.
Sinto esse dia-sonho como se tivesse morrido com ele.

Quero a Morte!
Quero mais morte no mundo, não quero viver sozinho...
Quero viver numa lenta e doce morte...
Viver para sempre nos Invernos repletos de mortos caídos pelas estradas.

Choro...
Não consigo dormir com tanto morto.

Vamos morrer? Por favor! Matem-me, como quiserem, mas MATEM-ME!

quero dormir...
hoje...


choro



domingo, 22 de junho de 2008

Alice foge da dança de sentidos, da sombra do corpo.
Transforma o peso da terra e da chuva em sentimentos perdidos no tempo.
Faz buracos na pele e corre pela casa escura.

Ninguém te viu partir Alice.
Porque fugiste, em que lugar sombrio estarás, sem mim?

Alice abre os olhos húmidos, colhe pétalas de Absinto no profundo calor do dia.
Imagina a liberdade fluir no sangue e voa .
Voa com Isa Bel a seu lado.
Porque hoje Isa Bel deixou o negrume do coração numa estrada onde ninguém passa apressado.
Alice e isa Bel dão as mãos e sorriem.
São felizes, são felizes.

Perdi-me, sem Alice não sei em que mundo vivo, nem o meu nome sei.
Quero encontrar Alice e beijar-lhe o calor dos lábios e levá-la para dentro de mim novamente.

Alice sonha com a memória do ventre, com o coma da dança, com a fervura do corpo labiríntico.
Onde estás?

Encontrei Alice, encontrei-a num caixote do lixo, encontrei-a acorrentada a outros corpos.
Grito.
Choro.
Fujo com Alice da dança dos sentidos, deixamos de ser crianças ou humanos, vivemos na doença da alma, caímos e ferimos os joelhos, choramos.
Finalmente, sentimos.

terça-feira, 17 de junho de 2008

J'aime la terre, les gens, l'Hiver, les chemins, la Mort, le ciel, la pluie, la douleur, la fenêtre, la chaleur, de toucher, de rêve, automne, Août, les mouvements, la danse, la musique, le théâtre, la scène, le rideau, le ciel, le charme et la lune.
je t'aime, je m'aime et j'aime les mondes.

sábado, 7 de junho de 2008

Amanhã vamos acordar e ser iguais.
Partilharemos a mesma sombra e dançaremos nos rios de prata líquida da lua.
Acordaremos do sonho de ser poeta e deixaremos de o ser.
Juntaremos as memórias, permaneceremos no silêncio doutros corpos.
Amanhã seremos iguais, mas só por um dia;
Não quero viver sem os diáfanos movimentos, sem o ofegar depois do sexo.
Só preciso de gritar, com a forca de um peixe verde, respirar, levantar-me do chão, agarrar as paredes e fumar um cigarro durante a eternidade da minha morte.
Não quero mais a garganta atada com nós de solidão, quero voar com asas de pêssego e abandonar o sonho do poeta.
Ser livre e cantar em Lá Menor toda a humanidade podre.
Roubar relíquias marinhas, de todas as tonalidades, e consumir cada uma até á exaustão.


Adormeço com a mão no teu sexo, embarco no toque da pele e visto-me de nudez.
Disfarço-me de leopardo e chamo por ti.
Nunca vieste, mas já não há horas de espera nos olhos de um peixe verde ou de um leopardo nu.
Hoje, sem ti, quebro diamantes com a doçura do sangue.
Sou feliz.
Sou feliz, porque das trevas não nascem li rios brancos, nem da luz o negrume da noite lenta.
Eu? Eu já não sonho com poetas.


Seremos humanos, humanos felizes capazes de sentir as ondas latejar nas veias e ouvir os cometas cerúleos em nossos corpos estelares.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

sentidos

os espelhos de sangue distorcem a tua voz nas águas sombrias, donde nasci.
quando aconteceu, fiquei mudo por não querer ouvir o que o mundo tinha para dizer e por isso não posso apagar nem deixar morrer o som da tua boca.

deixei de falar-ouvir

tenho saudades de laçarmos as mãos nas tuas calças.
sofro na ânsia de sentir a glande subir-me pelo corpo ausente e percorrer estradas infinitas entre caminhos de terra-prazer-água-dor.
o mel lava as veias da acidez do sangue espelhado, fugindo das tempestades corporais em dias de vomito, procurando vestígios de fome nos alvéolos sem fundo.

deixei de sentir

sonho com palavras de seda em noites que se esculpem de azul e que sussurram em latim.
sonho com vivos enterrados em cemitérios e mortos que gastam o dinheiro em vestidos de lace preta e cartas lambidas com a saliva da consciência.

deixei de sonhar

a cegueira aclarou-me a visão.
arrancaram-me os olhos e agora, tenho duas pedras negras de silicone.
quem me dera que a lua morresse para que eu pudesse olhar a escuridão com olhos de cego, pois a lua foi a única que me fez ver.

deixei de ver

meninas saltam de penhascos contra abismos de ondas fortes onde os rochedos se rasgam como folhas de papel.
suicidam o corpo, estilhaçam a alma.

deixei de morrer


entretanto perdi todos os sentidos até me encontrar de novo
Cinco portas escarpadas na minha garganta respiram, labaredas quentes. Do enxofre ergue-se a lava da sereia que força a droga dos mares e das sinfonias poluídas a consumirem-se em sal. Faz milhares de filhos com o vento, deles nascem os abismos transparentes, espuma nos meus cabelos em destruição. as suas mãos procuram o sexo da lua por debaixo das laranjas amnésicas. O ar frio cai nos pés e o esperma vai-se dissolvendo na boca que ferve. as mãos rasgam-se nos espinhos do sol, enquanto os mortos gelam nas fogueiras inquisitoriais.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Hoje, acordei e olhei para o tecto. Era um tecto húmido e escorregadio, como nas manhãs de Agosto escuro que nos enchem de orvalho branco e cristais em bruto. Na sua camada espessa de tinta, havia maquilhagens e três sonhos empacotados numa caixa de vidro. As artérias da parede rebentavam em humidade. A caixa de vidro era brilhante e bonita, tinha um aspecto saudável. As minhas mãos tocaram ao de leve no vidro e este estalou em nove laranjas comprimidas nos três sonhos. Um sonho era uma menina, outro um gato azul e o outro um céu negro de relâmpagos. (as laranjas nunca cheguei a perceber o que lá estavam a fazer) A menina saltava de sonho em sonho, ronronando e folheando a sua passagem com aromas de alecrim e rosas brancas. Roubava um trovão e encaixava-o, na perfeição, numa das laranjas. Ia colando as laranjas umas as outras com resina de céu e beijava o gato com nuvens de vento. Sentava-se no seu sonho e ali ficava parada. Permaneceu imóvel durante nove horas, ate que fechou os olhos e adormeceu. os sonhos reuniram-se numa pequena esfera de tinta-luz e fecharam-se na caixa de vidro cor-de-laranja. Levantei-me da cama. Andei nove passos e morri.

terça-feira, 20 de maio de 2008

o meu quarto está escuro.
eu deixo-me ficar.
as minhas mãos abrem-se em feridas duras na pele do medo.
um homem entra no meu quarto, viola-me.
eu deixo-me ficar.
ele fode-me abruptamente, sai sem se despedir, nem mesmo uma palavra.
deixando-me nu e triste.
eu deixo-me ficar, porque nada posso fazer e nada há para mudar.
as feridas murcham, estão tão podres como o meu sexo.
o homem volta, agarra-me e abana-me violentamente.
grita num língua que eu não conheço e volta a enterrar o sexo no meu corpo de cristal.
desta vez, doeu o que tinha para doer.
o meu sexo, esse sangra pela masturbação nervosa.
enquanto o corpo,todo ele é sangue e chaga aberta;

as mãos

os olhos

a boca

as janelas


ele volta.
traz uma mulher consigo.
não sei qual é a cor da boca dela, o quarto está escuro.
senta-se nas minhas lágrimas pretas, observa o sexo que o homem faz comigo.
lambo os olhos com as pálpebras, mantendo-os fechados.

não quero sentir , não quero chorar.
afinal, não havia mulher nem homem.
eu deixo-me ficar.

(tranquei a porta)

o homem não voltou mais.

sábado, 17 de maio de 2008

Como caiem os mortos?

sexta-feira, 9 de maio de 2008




Como se o mundo

fluísse numa mão

e noutra

se ouvisse os rumores

no silêncio doutros mundos.




domingo, 4 de maio de 2008




Não vás , Alice.


Eu tenho de ir. Tu sabes que sim.


Voltas?


Talvez. E tu, voltas?


Talvez.

sábado, 3 de maio de 2008

O chão voltou a abrir e Alice já não suporta o peso dos cabelos salgados.
Perdeu-se no oceano morno, onde vagueiam os seus mortos.
As laranjas aquáticas desceram-lhe da boca e Alice voltou-se para o sol.
Bebeu as algas e os corais de veludo e suprimiu o coração em duas gotas de sangue quente.

A primeira era eu.

A segunda eram as mãos de vergonha enroladas ao pescoço,
subtileza das águas verdes e reflexos de espelhos rachados no peito branco de Alice.

Dois Corvos-Peixes cantam a sinfonia dos mares arenosos.
Alice deixa-se envolver pelo sal, nos lábios de mel.
Duas Najas rastejam pelas pernas ate á corola das Capelo e sugam o veneno umas das outras.
Sereias-Putas subiram do céu avermelhado e dançaram até selarem o pó das Carpas Azuis nos olhos transparentes, oleados de brisas marinhas.

Levantaram Alice, num gesto que podia ser de prazer.
Erguem-na até á Nudez.
Desprendem-na do sonho em ferida viva, ainda apetecível,
e deixam-na pousada nas copas de linho.
Alice é água, é fruto ardente que saboreia a frescura aliciante do vinho e que destrói o corpo com lâminas-memória.

Usa a máscara do pai que nunca viu.
Usa-a para se sentir Alice e não Isa Bel.
Isa Bel é uma das Sereias-Putas que vive na AlmaCega.

Alice é fraca e já não ouve o Cântico Espumoso.
Salta da Copa Cristalina e cai no meu mundo em pleno sfumatto.

Cai nas minhas mãos, bem assentes nos pentes e maquilhagens que uso para não me olhar.
Não ver noutro alguém aquilo que sou.
Há maquilhagens de todos as formas:
umas Fortes, outras Loucas.

(Quem é que queres enganar? Todas elas escondem o mesmo)

Alice.
Adormece em plena vidro glaciar, pronto a ceder no corpo mais quente.

Vamos dormir, viver aqui cansa . .

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Alice?
Sim.
Dá-me a mão.

As mãos laçam-se num movimento doce, calmo.
Só a respiração se ouve, abranda-acelera.

Conta-me. O que aconteceu?
Morri.
Morreste? Como morreste?
Não sei, apenas, morri.

A Morte submergiu das bocas e estatelou-se no chão.
Cega, muito morta.

Não tenhas medo.
Não. Ficas comigo?

Para sempre?
Não.
Então?
até esta dor fugir de mim.

A Dor juntou-se á Morte e ambas devoraram as larvas da loucura enquanto se tocavam mutuamente.

(Alice afaga-lhe a cabeça)

Fica comigo, sim?
Sempre, Alice.

Sempre.

A MorteDor estendeu-se no chão em pequenas gotas de orvalho sujo, e cobertos de poeira o vento varreu-os.

quarta-feira, 30 de abril de 2008




Há-de haver um dia

em que,

quando perdermos a memória,

iremos lembrar

de como fomos felizes.







sábado, 26 de abril de 2008

Alice

Alice senta-se no banco roto do jardim.
Flutua com o seu vestido de lace preta e meias velhas, escancaradas por uma dor já antiga.
Nas órbitas brancas e translúcidas caiem moscas, mas não há dor porque essa já nem se reclama.
Alice pestaneja as brisas que escorrem na espinha.
Levanta-se, encara-se a si mesma como se ela própria lhe pertencesse,
mas ela não sabe que nada lhe pertence, a sua existência resume-se ás podres, míseras laranjas que apanha do chão.
Ás vezes bebe as vespas doentias da manhã, mas logo desmaia em tons de amarelo.
Alice deixa de ser pessoa quando fala, por isso, adoptou o generoso método de cozer a boca com as agulhas cinzentas.
Prefere não falar, não desmaia, mas morre mais depressa, e mesmo vivendo numa cidade feita de negrume e verde fumo toda a morte canina realça o cheiro a sexo.
Não é parecida com ninguém, mas teima em ser esperança azul; eu bem lhe digo que ela está destinada a ser uma puta de rua, é lá que pertence mas ela diz-me sempre que não acredita no destino.
Ela luta, mas a piedade é mais fraca e Alice vence sempre, mesmo não querendo.
O que ela não fazia para poder trocar as feridas que nascem nos braços finos por duas ou três rosas.
Já não há vespas, quanto mais rosas.
Não pode haver fluidez, Alice apenas vive para servir de buraco húmido e quente para os homens que seduz quase brutalmente com a beleza.
Vive para se alimentar de fluidos orgânicos lançados por cabos electricamente acordados do transe diurno.
Alice é noite, é voz que fecunda nos lábios e que acaba no prazer.
Ela não conhece ninguém e as palavras cegam-na porque o rock & roll rebenta-lhe os olhos chorosos.
Alice, o seu nome é Alice, mas isso ela não sabe.
Preferia ser Isa Bel, ser costureira e poder cortar as linhas que lhe prendem a voz frágil.
Mas não é, e por isso Alice é o seu nome mesmo que não venha de lado nenhum ou para que lado algum vá, aliás, ela sabe onde é o seu lugar.





terça-feira, 22 de abril de 2008


Um chão de corpos inundava o pequeno parque.
A pele era a única roupa que traziam.
Os olhares discretos miravam a nudez envolvente e fingiam não querer ver.
Havia o cheiro de gente e das folhas secas que caíam a pouco e pouco na relva.
Ao longe surgiam pequenas vozes surdas que não se calavam com os protestos habituais contra saúde publica.
Mulheres e homens juntos, nus e deitados, ainda faziam muita impressão ás velhotas que passavam encurvadas e meias carcomidas pelo caruncho tradicional.
Aqueles homens e aquelas mulheres partilhavam a mesma dor, a mesma respiração, a mesma vontade, o mesmo saber.
Os tons de sépia espalhavam-se no ar como pó que assentava nos tornozelos de cada ser.
Os ninhos nas árvores enchiam-se de pássaros e finalmente começou a sinfonia que quebrou o silêncio gélido.
A vergonha da nudez foi-se devorando aos poucos e em largos momentos já ninguém tinha medo de se mostrar perante os outros.
As cores tardias rebentaram com as nuvens cristalinas, dando lugar a um céu nocturno brilhante e misterioso.
Alguns levantaram-se, ao som do entardecer e observaram o esplendor da raça humana, a máquina perfeita, infimamente construída.
Alguns choraram…
Outros adormeceram pelo caminho…
Só a perfeição permaneceu…

domingo, 20 de abril de 2008

Doce Melancolia

A areia trespassava-me os dedos.
A água brilhava, noctívaga.
A brisa deambulava docemente entre os cabelos louros, executando graciosas coreografias de bailados invisíveis.
Fedia a medo e a pavor.
Ouvia-se, no mar trepido e longínquo,
Os gritos afogados na doce melancolia.
Entoando cânticos de socorro.

A noite era linda como sempre
Os anjos infernais caminhavam sobre o vislumbre aquático,
com mantos pesarosamente escuros.
São flores mortas e murchas no paraíso.
Eram silenciosos e apenas o terrível ofegar se manifestava.
Iam caindo, como tordos alvejados.

Os tordos são criaturas afáveis, eu não!

E caí juntamente com os tordos para tornar o meu segredo afável.

terça-feira, 15 de abril de 2008

I


Gostava de te dizer que sim.
Gostava de saber que estás sempre lá,

mesmo que não estejas

, nalgum lugar recôndito esperando por mim,
e que olhes por mim quando digo que tenho medo de ti.
Não quero que te afastes, não quero os teus horizontes .
quero te aqui, na minha frente, como se do nada viéssemos ou fôssemos.

Já me encontraste.
Onde estás tu, então?

Gostava de te dizer:
" Volta, a solidão mata-me todos os dias, a tua presença completa os espaços vazios. Volta "

Eu não sei falar a tua língua, não compreendo o que dizes.
O que é que vês em mim, nem sequer vimos do mesmo lugar.

As palavras já se enrolam na minha boca, ja não sei o que dizer, elas não me saem do corpo.
Já não saem de qualquer lugar, estão presas algures no tempo dos mortos que ninguém vê ou ouve,
É melhor assim ...
Um dia voltaremos a ser,

talvez

,o que éramos,
mas por agora somos terra,
e terra seremos,

por enquanto.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Alberto

Um homem caminha as largas ruas.
Meio atrapalhado, meio trôpego.
Esconde-se naquilo que possui, nas pequenas, justas e quebradas roupas que emprega de uma forma majestosa e confiante.
Cem mil olhos projectam-se na sua direcção, ele, despreocupado, segue o seu caminho como se o mundo viesse e chamasse por ele.

Não é ninguém, mas toda a humanidade morava nele.

Descia, lentamente, a rua onde vivia.
Três jovens impregnados de (aquilo a que eu gosto de chamar, “ O Terrível) preconceito, atiravam-lhe inocentes pedras da calçada.
Este olhava-os com desdém, protegendo-se dos ataques aéreos não planeados.
De vez em quando, alguns diziam-lhe “ Cigano de merda, volta p’ás barracas! ” enquanto levava com lixo que lhe atiravam das altas janelas, daquelas de que ninguém se protege.
Tais palavras faziam com que no seu interior crescesse um único sentimento – pena.
Até podia ser ódio, mas não, era definitivamente pena de todas aquelas pobres almas que deambulavam, cheias de ouro, pelas ruas de uma cidade, que metia nojo.
Toda a sua família tinha ido por terra.
Estava só.

Não era de ninguém, era apenas do mundo.

Empenhava umas calças de ganga empoeiradas e manchadas pelo odioso tempo.
Uma blusa branca, escondida por um casaco velho e preto.
A barba cerrada e o rosto enrugado eram as principais características que o definiam como Alberto.
Sentia-se morto e cansado e desejoso por chegar a casa (onde quer que fosse essa casa).
Sentia-se perdido, como se o mundo onde vagueasse, não fosse o seu.
Dizem que há tanta gente boa no mundo, mas de facto, só aparecessem de vez em quando, assim algures na vida.
De repente, a rua tornasse mais alta e o vagabundo cai.
Escorregou e deslizou até ao fim do passeio onde circulava.
Todos se riam.
A mulher do talho soltava umas guinchadelas inaudívelmente estridentes e o bibliotecário tapava a boca com a mão, só para não mostrar o seu riso de galinha velha.
Até o gerente do mais barato café soltava umas tantas gargalhadas.
O nosso amigo queixava-se, as suas costas já não eram o que costumavam ser no seu tempo de juventude e doíam-lhe como punhais que atravessam a carne vermelha e viva.
Agarrou-as com as mãos dolorosas e soltou um discreto gemido.
Uma senhora fina e apressada correu atabalhoadamente na sua direcção.
Por fim alcançou-o.
Agachou-se com dificuldade, esboçou um sorriso e estendeu-lhe a mão branca e lisa.
O homem barbudo olhou-a com uma certa admiração, ao som da estrondosa sinfonia que enchia a rua.
Os seus olhos encheram-se de lágrimas e de alegria.
Deu-lhe a mão e a senhora puxou-o para cima.
Levantou-se e articulou vagarosamente, como se o tempo pudesse parar uns segundos e poder admirar a beleza da solidariedade.
“ Obrigado”
A senhora riu-se.
“ Ora essa, tenho a certeza que faria o mesmo se tivesse no meu lugar!”
“ Pois sim, faria”

Aquelas mãos caridosas demoram, mas sempre chegam.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Jardim de Inverno

Trazes velhas memórias,
aqui,
à porta do meu Jardim,
e pequenas lembranças do vento do Norte,
debaixo do braço.

Colhes as minhas rosas molhadas pelo orvalho de prata,
que se enraizaram
quando o Inverno lhes roubou o calor e lhes criou o azul.
Cortas as pernas com que pisam,
nos bosques solitários,
a fria e pura neve.
Secas os meus Corajosos Lírios e as minhas Belas Magnólias,
que sobreviveram ás tempestades assassinas vindas do Sul.

Não as mates! Não as mates!

Poupa a seiva da terra que criam
e que te fez nascer,
e fazer parte deste mundo escuro e pesaroso.
Mesmo que não tenhas pedido para nascer,
estás aqui à porta do meu Jardim,
com todas as cores do pó que te envolve a pele que vestes.

Foram elas que te deram:
a Paisagem que admiras,
o prazer da tua mulher,
os pecados de sangue.

Vai!
Vai, assassino longínquo!
Trazes a destruição sepultada
nas palavras obscenas que ousas proferir.
Não respires,
e entretanto,
leva essa tua honra nojenta,
para a terra que te há-de devorar,
e possuir-te ate à exaustão corporal.

Morre!
Que todas as pragas egípcias te consumam as entranhas,
que te esventrem as memórias e lembranças podres
que trazes debaixo do braço.
Que Vulcano,
Senhor do Ferro e Fogo,
te derreta a boca e a língua
com que espalhas as blasfémias da serpente divina
e a Deusa que segues irá morrer
com o veneno dos meus Acónitos.
E se os teus dedos tocarem uma só vez mais,
no meu corpo verde,
comerás os vermes da Belladona, Scadoxus e Poinsétia.

Volta para o teu buraco de cimento,
onde cospes o chão da família natural,
donde tudo veio.

FOGE! CORRE!

Não olhes para trás,
e não irás encontrar de novo este jardim,
este meu Jardim de Inverno.

sábado, 22 de março de 2008

Sexus

Tiro-te a camisola num gesto repentino.
Com a boca a salivar agarro os teus seios brancos e lavo-os com a minha língua grossa.
O resto da roupa foi-se dissipando, entretanto, já nós estávamos deitados na cama, olhando-nos fervorosamente.
Com as minhas mãos aventureiras abro as tuas pernas, lentamente.
Faço o meu dedo escorregar pela tua vagina quente.
Soltas um gemido de prazer exuberante.
Juntamos-nos como um só, e eu penetro-te.
Era uma explosão de calor.
Agarro-te os cabelos e caminho mais fundo.
Os movimentos eram insaciáveis, a respiração descontrolava á medida que nos íamos envolvendo cada vez mais.
O suor aparecia nos cantos mais altos da minha testa, tu ofegavas agarrada à cama.
*
Abro a gaveta da mesa de cabeceira, e puxo dum cigarro apetecível.
Acendo-o, dou algumas baforadas, volto a pousa-lo no cinzeiro vermelho.
Tu dormes e eu olho para ti como se fosses minha.
Cofio o teu cabelo sedoso, beijo-te os lábios carnudos
e desapareço.

terça-feira, 18 de março de 2008

Vontade

Beber a tua saliva nos mais puros cálices
é o desejo mais íntimo de qualquer Deus.

E beijar cada parte do teu corpo,
com estes meus lábios sedentos.

É o triunfo das horas mortas
que já não vêem os minutos passar
com a correria dos fluidos.